Texto escrito por Paulo Machado
Tema principal e questões de pesquisa🤔
As redes sociais, inicialmente foram criadas como uma ferramenta para facilitar a comunicação e a conexão entre pessoas, no entanto, evoluíram e tornaram-se também plataformas de partilha de informações e notícias. Infelizmente, a difusão de notícias falsas, ou “fake news”, é uma das consequências negativas dessa evolução. Embora as notícias falsas não sejam um fenómeno novo, a era digital intensificou significativamente a sua rapidez e o seu alcance, e hoje é cada vez mais difícil apurar a veracidade das informações.
O artigo Fake news, social media and marketing: A systematic review de Giandomenico Di Domenico, Jason Sit , Alessio Ishizaka , Daniel Nunan, tem como objetivo analisar de que forma os profissionais de marketing podem lidar com os efeitos negativos das fake news no contexto das redes sociais.
As questões de pesquisa formuladas pelos autores são:
- Como é que as fake news são definidas na literatura?
- Como é que as fake news se propagam?
- Quais são as consequências das fake news para os consumidores?
- Quais são as consequências das fake news para as empresas?
Metodologia🔎
Realizou-se uma revisão sistemática da literatura. Trata-se de um modo de investigação focado num tema específico, com o objetivo de identificar, selecionar, avaliar e sintetizar as evidências relevantes disponíveis. Esta metodologia promove a reprodutibilidade e a transparência no processo de revisão.
Resultados📰
O que são fake news?
O conceito de “fake news” é pouco consensual e bastante difícil de ser definido, uma vez que é frequentemente confundido com conceitos como sátira, desinformação, teoria da conspiração, entre outros. Existem várias abordagens para o conceito de fake news, alguns autores definem como notícias falsas criadas com um propósito financeiro ou político, outros definem como notícias com um fundamento verdadeiro, que são distorcidas.
A definição de fake news apresentada no artigo é a seguinte: notícias criadas com a intenção deliberada de enganar ou manipular a população e deste modo causar danos a nível político, ideológico ou financeiro. Além de não serem verdadeiras, as fake news assemelham-se às notícias verdadeiras em termos de design, letras, layout, títulos e de temas.
Como é que as fake news são difundidas pelas redes sociais?
O processo de disseminação de fake news passa por duas fases: a primeira fase é a fase de criação das notícias e envolve os criadores, que desenvolvem perfis falsos para espalhar informações falsas; a segunda fase, é a fase de difusão, que envolve os humanos e os bots sociais que compartilham e espalham estas notícias.
Na primeira fase os criadores produzem notícias falsas, com o intuito de obter vantagem política, ideológica ou por razões financeiras.
Na segunda fase do processo de difusão existem dois tipos de agentes que ajudam a espalhar as fake news: humanos e não humanos.
Os agentes não humanos, conhecidos como social bots, são algoritmos de computador programados para copiar comportamentos humanos. Estes são frequentemente organizados em redes controladas por computadores e desempenham um papel importante em tornar as fake news virais, pois são os primeiros a partilhá-las, comenta-las e a gerar interação entre os utilizadores. Os social bots estão muito presentes em plataformas como Twitter e o Facebook. Esses bots conseguem:
- Interagir nas redes sociais, através de comentários, gostos, menções e follows;
- Procurar informações na internet e produzir conteúdo de forma autónoma;
- Postar regularmente em horários específicos;
- Identificar perfis de pessoas que possam se identificar com o seu conteúdo;
Os agentes humanos podem ser classificados como malignos ou benignos:
- Os agentes malignos são os usuários que partilham intencionalmente informações falsas, muitas vezes por motivos políticos ou ideológicos, ou por serem pagos para direcionar essas notícias a públicos específicos.
- Os agentes benignos partilham fake news, pois acreditam na sua veracidade. Os agentes benignos partilham informação à procura de aprovação social e do desejo de pertença e não possuem objetivos políticos ou ideológicos
Porquê que as redes sociais são os canais ideais para partilhar fake news?
Existem 3 características que tornam as redes sociais o meio ideal para a propagação de fake news.
A primeira característica é a ausência de barreiras à entrada, por outras palavras, criar e produzir conteúdo nas redes sociais é muito acessível em termos de custos, pois podemos criar perfis e produzir conteúdos de forma gratuita e ilimitada. Para além disso, promover conteúdos e perfis nas redes sociais é relativamente barato. Por exemplo, no Twitter (atualmente designada como X), é possível conquistar 300.000 seguidores num mês com um investimento de apenas 2.600 dólares.
A segunda característica está relacionado ao facto de que, nas redes sociais as notícias e informações são apresentadas em pequenas porções, o que dificulta avaliação da sua veracidade. Tendo em conta este cenário, os títulos são elaborados para chamar a atenção dos usuários e gerar interação na publicação, e são mais valorizados do que a própria fonte de informação. Além disso, as constantes partilhas em algumas plataformas dificultam a identificação da verdadeira fonte de informação, levando os usuários a considerarem como verdadeiras as informações partilhadas por pessoas próximas.
A terceira característica refere-se à polarização nas redes sociais, ou seja, as pessoas estão dentro de redes ou comunidades, que partilham as suas crenças e vivem em polos opostos a pessoas com crenças distintas. Estudos confirmam que as pessoas têm uma tendência crescente a consumir e disseminar informações que confirmam suas crenças, mesmo que estas sejam falsas. Por estas razões, os usuários inseridos dentro de comunidades mais fechadas tendem a ser mais recetivos a informações que reforçam seus pontos de vista.
Quais são as consequências das fake news nas empresas e nos consumidores?
As consequências das notícias falsas para empresas e consumidores estão interligadas de três maneiras :
- As empresas enfrentam o desafio de lidar com a queda nas vendas, pois as fake news podem mudar o comportamento do consumidor em relação a um produto ou empresa. É importante que as empresas tenham um plano estratégico de resposta para minimizar os impactos quando se tornam alvo de fke news.
- As empresas podem inadvertidamente conferir legitimidade às fake news ao estarem associadas a este conteúdo enganoso, pois os consumidores são mais propensos a validar fake news, se estas forem impulsionadas por empresas conhecidas. Os consumidores perdem confiança nas empresas se estas estiverem associadas a fake news, como por exemplo possuírem anúncios em websites pouco credíveis que partilhem fake news.
- As fake news são capazes de afetar a reputação das empresas. Essa vulnerabilidade reputacional pode ter impactos duradouros nas percepções dos consumidores em relação à empresa.
Porquê que as fake news parecem ser credíveis?
Para que as fake news tenham sucesso, é crucial que pareçam ser credíveis e confiáveis para os leitores. As fake news parecem credíveis pois são criadas estrategicamente para se assemelharem a fontes verdadeiras, esse processo é designado por “legitimidade fabricada”. A sua eficácia depende de várias condições:
- As fake news copiam fontes legítimas de notícias e informações, com o objetivo de ganhar credibilidade e a confiança do seu público-alvo.
- As fake news são frequentemente apresentadas da mesma forma que as notícias verdadeiras e utilizam, por exemplo, o tipo de letra, as cores e títulos que relembrem fontes legítimas .
- Por fim, as fake news são construídas em torno de tópicos que também são abordados pelos principais meios de comunicação social.
Nas imagens abaixo estão 2 exemplos de legitimidade fabricada.
Porquê que acreditamos em fake news?
Todos os indivíduos possuem mecanismos psicológicos e algumas tendências psicológicas que nos fazem acreditar em fake news:
- A tendência de confirmação é identificada como o fator principal para que as pessoas acreditem em notícias falsas. Conhecido também como exposição seletiva, esta tendência ocorre quando os indivíduos são expostos a conteúdos que corroboram suas visões de mundo, especialmente nas redes sociais. A exposição seletiva aumenta a aceitação de novas informações como verdadeiras, desde que estas estejam alinhadas com crenças já previamente estabelecidas. Além disso, a tendência de confirmação influencia as atividades nas redes sociais e serve como uma forma de defesa psicológica contra a exposição a opiniões divergentes.
- As capacidades cognitivas também desempenham um papel crucial na avaliação da veracidade das notícias. Indivíduos com menor pensamento analítico ou níveis mais baixos de capacidade cognitiva são mais propensos a acreditar em notícias falsas. Essas pessoas menos analíticas têm maior resistência em reajustar as suas ideias, mesmo após se aperceberem de que suas avaliações anteriores foram baseadas em informações falsas.
- A tendência de memória também desempenha um papel significativo, pois informações antigas e incorretas não são automaticamente substituídas pelo nosso sistema de memória. Este fenómeno, conhecido como efeito de influência continuada, mantém o impacto das informações falsas sobre os indivíduos mesmo após a exposição à verdade.
Discussão e estudos futuros📚
Discussão
A análise desse artigo proporcionou uma compreensão mais profunda do processo de criação e difusão de fake news, assim como seus impactos nas empresas e nos consumidores. Pude perceber que as fake news são criadas estrategicamente para explorar nossos mecanismos psicológicos e destaco a minuciosidade por detrás deste processo.
Apercebi-me que os social bots são algoritmos com grande autonomia e inteligência e que estão presentes em grande escala nas redes sociais.
Este artigo permite-nos refletir sobre a importância de um plano estratégico de resposta às fake news. Ressalto a importância da compreensão dos mecanismos psicológicos para que se possa desenvolver estratégias eficazes para combater as fake news.
Estudos futuros
O artigo menciona diversos temas como possíveis áreas de investigação futura, dos quais destaco estes:
- Estudos sobre como as empresas devem responder a este tipo de ataques e sobre como planear estratégias de resposta em termos de conteúdos, canais e prazos.
- Os memes e vídeos falsos publicados nas de redes sociais devem ser considerados fake news?
- Estudos sobre os fatores afetivos e emocionais que nos fazem acreditar em fake news.